Aventura Berlinense


Com direcção e composições de um português, vem de Berlim este quarteto que pratica um free bop com desvelos de câmara e muito improviso. Mais uma história de sucesso da emigração nacional…

Rui Faustino tem sido um emigrante intermitente, procurando lá fora o que não encontra no seu país. Em Portugal, e apesar de tudo o que o distinguia (foi um dos raros músicos de jazz que tiveram igualmente actividade na música improvisada), era apenas mais um baterista, com dificuldades em arranjar “gigs”. Até que se decidiu rumar a Berlim e aí tem oportunidades que em Lisboa lhe faltavam e que nem mesmo nos melhores sonhos imaginaria encontrar…

«Ir para a Alemanha ajudou-me a encontrar o que já procurava aqui e confrontou-me com a minha mediocridade. Nesse tempo tentava dominar elementos como o tempo e a forma no contexto dos “standards”, mas quase sem resultados, o que me frustrava bastante. A perspectiva de tocar com esse tipo de repertório era tudo menos aliciante, mas para mim era imperativo que eu, nessa primeira fase, compreendesse a música sem tomar atalhos. Sabia que, para evoluir, teria de tocar com pessoal que fosse melhor do que eu e estivesse na proporção de um desafio gradual. Daí a ida para Berlim, que me proporciona constantemente a hipótese de trabalhar com novos e diferentes músicos. E não só na área do jazz – por exemplo, de momento toco com Takashi Wada, um guitarrista japonês de noise. Também com Biliana Voutchkova, uma violinista búlgara com actividade tanto na música contemporânea como na improvisada. Recentemente, fizemos um espectáculo com Takako Suzuki, uma bailarina da companhia da Sasha Waltz. A cidade é grande e não tem um centro, uma “downtown”. Os locais para tocar são mais que muitos e os músicos também. Sou uma ínfima parte desse turbilhão de coisas a acontecer.»

Alguns dos músicos que Faustino conheceu em Berlim são o contrabaixista Jan Roder, membro do quinteto de Alexander von Schlippenbach que gravou o muito aplaudido “Monk’s Casino”, a saxofonista alto Silke Eberhard, que trabalha frequentemente com Aki Takase, e o trompetista Nikolaus Neuser, que tocou com o histórico Gunter Hampel. Hoje, constituem o quarteto que lidera e para o qual compõe, com o álbum de estreia a sair pela JACC Records em Setembro, “50″. A música que fazem juntos pode ser identificada como um free bop de câmara, nuns momentos aproximando-se da música erudita, em outros da improvisação livre…

«Era importante contar com músicos capazes tanto de improvisar como de ler uma pauta. Músicos que não fossem improvisadores como única alternativa, mas como opção, para evitar aquelas situações em que se tocam materiais muito arrojados e altamente experimentais, mas depois não se consegue tocar uns blues ou uma métrica. Queria também uma situação em que a cor harmónica fosse ditada pelo conjunto e não por um instrumento. Convidar estes músicos foi olhar em frente e elevar a fasquia. Têm uma formação notável e infinitos recursos. Toquei com o Jan pela primeira vez em 2007, na Sophiensaele, inseridos num colectivo de 12 elementos. Também fiz uma série de concertos em trio com ele e com Rodrigo Amado ou Tobias Delius. Com o Nikolaus já tinha colaborado numa sessão e trabalhámos ambos, em tempos, na mesma escola. Todos têm outros projectos entre eles: por exemplo, o Jan toca no trio da Silke com Kai Luebke e a Silke e o Nikolaus estão juntos na banda Potsa Lotsa. O quarteto funcionou desde o primeiro minuto.»

A maior surpresa deste grupo é a escrita de Rui Faustino, que se revela intrincada, exigente e de grande impacto ao vivo: «É um processo que se tem vindo a desenvolver paralelamente à minha relação com a bateria, mas foi durante o período de estudo da percussão clássica que comecei a escrever as minhas primeiras peças. Tenho estudado harmonia e o que escrevo resulta desse trabalho. Infelizmente, passo pouco tempo a compor. Gostaria de escrever mais, pois ideias não me faltam. A minha relação com a bateria é, no entanto, muito possessiva.»

O disco que agora é apresentado no Cais da Pedra foi gravado durante a residência do quarteto no Goethe Institut, em Lisboa, no passado mês de Julho. «O CD ficou gravado em pouco mais de duas horas. A música é espontânea e flui de modo muito natural. Não procedemos a “edits” posteriores, pelo que a maior parte das faixas foi registada ao primeiro “take”! Há apenas um segundo “take” e dois terceiros “takes”. Não é, com certeza, um disco irrepreensível, mas é orgânico e isso transmitirá algo às pessoas. Não sei o que será o concerto no Festival jazz.pt, mas tenho boas expectativas.»

Text: Rui Eduardo Paes / In Jazz.pt



Faustino/Roder/Eberhard/Neuser: 50


Berlin als Melting Pot. Der portugiesische Drummer traf dort mit der Altosaxophonistin Silke Eberhard, deren durch Monk‘s Casino renommierten Trio-Bassisten Jan Roder
und ihrem Potsa-Lotsa-Trompeter Nikolaus Neuser genau die Richtigen, um seine Kompositionen so zu spielen, wie es ihm gefällt. Aber auch um Musik im gemeinschaftlichen Geist aus dem Stegreif zu erfinden. Die Vier gehen mit der
Freiheit allerdings nicht mutwillig um - der Titel ‚Wer ist da (noch frei)?‘ - deutet das
an, ‚Freelance‘ und ‚Freies Bier‘ nehmen sie von der praktischen und genüsslichen
Seite. Eher geht es wohl darum, sich freiwillig in den Dienst von Kommunikation und von Poesie zu stellen. Mit Vor- und Rücksicht, aber auch leichthändigem, zauberhaftem Unernst. Faustinos fünf Kompositionen stehen in der Tradition des Bebop (‚Degraus‘) und des lyrischen Modern Jazz der 70er (‚Às Sextas‘, Grande Salto‘), irgendwie neo, irgendwie meta. Jedenfalls in einem Geist, als ob Jazz das weiteste Feld und ein offenes Buch wäre. Unterschätzt nicht das Als Ob. Es erlaubt die abgeklärte Spielweise, die im zarten Ton der beiden Bläser so besinnliche wie sinnliche Züge annimmt, in Neusers gedämpftem Wahwah bewusst auch komische. ‚Freelance‘ wird bestimmt durch den bläserfreien Einklang von Arcostrichen und Perkussionstupfern. ‚Zero-Zero‘ lässt den Bläsern dann viel Spielraum für freie Eskapaden zwischen einem abgezählten Intro und einem groovigen langen Endspurt inklusive Drumsolo. ‚Canção Da Chuva‘ findet selbst aus einem Geräuschfond zu seinem Gesang. Das Lob des Freibiers beginnt zuletzt mit einer Schweigeminute - stilles Gedenken an Gönner und Spender, Mahnung an faire Bezahlung.

Text: Rigobert Dittmann / In Bad Alchemy


Discofonia Interview

Excerpts from Mafalda Costa's program for Radio Europa-Lisboa


Faustino/Roder/Eberhard/Neuser: 50

50 es el estreno del grupo liderado por el baterista portugués Rui Faustino y formado como consecuencia de su residencia en Berlín. La saxofonista Silke Eberhard, el trompetista Nikolaus Neuser y el contrabajista Jan Roder (integrante del Monk’s Casino de Alexander von Schlippenbach) son sus tres acompañantes, alemanes todos ellos, en esta aventura. Rui Faustino se encarga de la mitad de las composiciones, mientras que el cuarteto al completo es el autor de las restantes. La música transita por terrenos del free-bop en las composiciones del baterista (con ejemplos magníficos como la contagiosa “Zero Zero”), mientras que en el caso de las creadas por el cuarteto se orienta hacia los terrenos de una libre improvisación que busca unos espacios que permitan a la música crecer sin prisas, y en los que no se evita la aparición de esbozos de melodías. Como ejemplo representativo de esta forma de entender la música está la breve “Freies Bier” que clausura el disco. Una obra que es silencio en su mayor parte, a pesar de que su duración no llega a los dos minutos. Si en cualquier grabación un aspecto fundamental es la disposición de los temas, en esta ocasión en particular ésta logra que la sensación final de 50 tras sucesivas escuchas sea la de una obra sólida como la que más.

Texto: © Pachi Tapiz, 2011


SPOTLIGHT ON RUI FAUSTINO by ArtConnect Berlin

This week’s artist is a musician. Rui Faustino, originally from Algarve, Portugal, started playing the drums in 1991 and hasn’t stoped since. An extremely mixed path brought him to Berlin where he has been living since the year 2000. Now Rui plays drums in several projects, mainly free jazz and improvised music.

Rui, tell us about where you come from, musically.
I started playing rock in bands with friends. That was great fun. It needed commitment but was coming in a natural way. Later, I studied classical percussion in EPME Conservatory. That demanded much more discipline and constant work from me. I also studied jazz music in Lisbon and Berlin. I had some brief contact with “world music” instruments, by learning djembe from a master percussion player from Guinea and Tabla at the HfM department for Jazz and Popular Music.

ACB decided to know more about his musical improvisations and projects he is currently in.
I have a solo project called For Unaccompanied Drums. My classical percussion skills are vital here; there is a high level of the awareness of sounds. I also play in many other projects like: F/R/E/N, Triodorioderuido and TRIO K. I am also currently touring for a few shows with a very interesting world music/soundtrack project called Tek Tek Ensemble.

But most of the projects you work in are modern/new/experimental Jazz? Why have you chosen this direction?
When I was 18 I did not know what Jazz really was. I come from a touristic place; culture is a rare thing there. Most of the industry is based on tourism. I began as a self-taught player on drums and quickly moved on to a more academic musical environment. These were totally disassociated worlds. Jazz, is something what can be identified as a dimension in between; it is a sophisticated way of playing music but the essence comes from the individual. I believe it is important to have a platform that allows abstraction, but also leaves room for you to express your visceral needs. Both aspects fulfill me artistically.

What were your main music influences in the beginning?
In a very simplistic way my development came from Nirvana. Moved on to Einstürzende Neubauten, Steve Reich and Ornette Coleman.

What is your ideology, the truth of art?
There are many truths in art. Thousands of different paths, concepts, decisions. It is important to be connected with your intuition. My ideas can be heard in my music…

I’ve seen you using a wide array of objects in your playing. Would you say that you play drums and objects?
Classical understanding of what is a drum set has changed. Drums nowadays are not just a set of drums. My solo project is about reinventing the way you approach drums. Drums are a gathering of many instruments. Everything is questionable. For instance, Jazz is not only Afro American Jazz anymore, you do not have to re-label it, just reopen. Just do not get fixed at one idea: that has been a constant principal in Modern art.

On the 24 of September Rui Faustino with Tek Tek Ensemble is playing at Zur Wilden Renate, Berlin. More shows are listed on Rui’s homepage with extra audio and visual material.

ArtConnect Berlin


O mesmo e o diferente

Baterista radicado em Berlim e com um raro historial de aparições públicas no nosso país, o que deu um significado especial a esta sua vinda, Rui Faustino apresentou-se a solo com quatro longas peças meticulosamente estruturadas e em que recorreu a “loops” para ir sobrepondo camadas de materiais. Em cada bloco tocava sobre o que tinha tocado antes, conduzindo sucessivamente os planos rítmicos já estabelecidos para outros desfechos. Se os fraseados se iam repetindo ou introduzindo apenas pequeníssimas variações, as bases e os envolvimentos mudavam, cortando umas secções para as meter noutras e assim criando um muito curioso jogo entre o “mesmo” e o “diferente”, com referência indirecta no minimalismo norte-americano. O que gravava era reproduzido nas colunas de som do PA para se misturar com o trabalho ao vivo de Faustino, mas se o recurso à electrónica serviu nos primeiros 20 minutos para a definição de níveis acústicos, com os sons da parafernália percussiva inalterados, o músico acabaria mais adiante por tirar outro proveito dos dispositivos de “delay” e “sampling” que tinha à disposição. Fê-lo da forma mais elementar, manipulando velocidades, mas para grande impacto electroacústico. Os resultados eram hipnóticos e de grande interesse, deixando a assistência suspensa de cada movimento. O olhar ficava tão preso das situações quanto os ouvidos, para perceber como é que o que acontecia sonicamente tinha realização física. Em dado momento, Rui Faustino concentrou-se em utilizar o mesmo ataque de baquetas para fazer vibrar em simultâneo peles e pratos, com tal técnica estabelecendo mais uma obsessiva construção, plena de intrincações mas com um carácter ondulante. Ou seja, o factor performativo era fundamental, envolvendo toda uma coreografia. No fim, todos ficámos cientes de que um solo de bateria pode ser muito mais do que um solo de bateria.

by Rui Eduardo Paes, Jazz.pt